"Sempre que gosto de alguém amorosamente, eu deixo de gostar de mim"

PSICOTERAPIA ONLINE LISBOA/SUIÇA: ZURIQUE E GENEBRA

"Olá, o meu nome é Patrícia e eu tenho 26 anos...

Eu sei que o que vou perguntar talvez nem vá obter resposta por vossa parte mas eu sinto-me com a autoestima demasiado em baixo e não me sinto bem comigo mesma porque eu não sei se preciso de apoio psicológico, de apenas medicação, ou ate mesmo outra alternativa.

A minha dúvida é esta: eu sempre que gosto de alguém amorosamente, eu deixo de gostar de mim e passo a viver em função daquela pessoa, faço tudo para a agradar e depois sempre que o amor por parte da outra pessoa acaba, eu sofro pois não sei lidar com a perda dela de tal modo que chego a humilhar-me e sentir que culpa é sempre minha por não ter resultado mais uma vez.

Este sentimento leva-me a tal sofrimento que eu tenho dias que choro consecutivamente durante dias seguidos sendo que posso depois andar sem chorar uma semana mas depois esse pesadelo volta, não tenho vontade de fazer nada, refugiu-me, rebaixo-me a essa pessoa mesmo sabendo que o melhor para mim é não dizer nada e me afastar, mesmo sabendo que corro risco de ela me tratar mal e mesmo que ela o faça, eu perdoo pois sinto que a falta que ela me faz é maior que o sofrimento que ela me causou por momentos...

Eu sinto que não estou bem mas não sei bem que tipo de tratamento devo procurar para que seja mais eficaz, porque chego a ter dias que penso que se morresse não fazia falta a ninguém...

Basicamente não tenho amigos porque "abdico" deles quando estou em um relacionamento o que torna as coisas mais complicadas para mim. Eu sinto-me "perdida" sem saber o que fazer ou pensar...

Ajudem-me por favor com uma opinião. Obrigada"
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Olá Patrícia,

Percebo o desespero que passa nas suas palavras. Neste momento parece-me que precisa de um lugar para descansar, poder reorganizar-se e mesmo restaurar algumas partes de si que ao longo do percurso da sua história foram sendo desgastadas e mesmo perdidas ou enfraquecidas... Patrícia, peço que considere, se assim o entender, e para já, que este estado que relata não parece ser o ideal para procurar ou se estar num relacionamento amoroso... A procura de uma ligação amorosa adulta a partir de um lugar de tão grande vulnerabilidade e sofrimento é muito perigosa e tende a desenrolar-se tal qual como descreve,,, infelizmente.

Uma relação amorosa não deve seguir o modelo de dar tudo para agradar a outra pessoa, uma vez que tal posição facilmente funciona contra nós, acabamos por nos desvalorizar a nós mesmos e aos olhos de quem está connosco - que por vezes e a certo ponto poderá fazer como que "testes" (a nível mais inconsciente) no sentido de perceber se quem tem ao lado se trata de alguém admirável, que se afirma, e logo, de valor, digno de ser objeto de amor, ou, por outro lado, alguém que por tanto receio e desespero pela perda, se anula a si mesmo, o que tende a resultar na gradual perda de admiração e respeito por parte do companheiro ou companheira. Este é um cenário muito comum nos tempos correntes, e temos que atender à realidade - uma relação amorosa madura implica duas pessoas "completas", maduras, emocionalmente responsáveis por elas próprias e depois, pela outra pessoa. Sem isto, é de veras impossível a estabilidade e satisfação a dois...

Uma relação amorosa deve assentar na negociação de necessidades, na assertividade e estabelecimento de fronteiras e limites, ou seja, na afirmação pessoal de nós enquanto seres com identidade própria, na capacidade de estarmos só - em oposição à inquietude quando estamos sozinhos ou a exigência sistemática sobre a outra pessoa -, e na tolerância à rejeição, sendo que tanto nós como a outra pessoa têm o direito de escolher não mais estar connosco, ainda que muitas vezes tal não seja o nosso desejo.

Todas estas capacidades formam-se nos primeiros anos de vida, inclusive nos primeiros meses de vida, na verdade. Até que ponto, quando cada um de nós era uma pequena força da natureza - um(a) bebé exigente, irrequieto(a), voraz, destrutivo(a) - os nossos adultos cuidadores mantinham em todos os momentos, ou quase sempre, uma atitude emocionalmente responsável connosco, isto é, uma atitude serena, atenta, envolvida, sintónica e empática, especialmente quando nós mesmos ousávamos ser verdadeiramente bebés? Isto existia fluidamente ou havia momentos em que aquele ou aquela bebé era demasiado difícil? Ou, pelo contrário, que nunca dava problemas - um estado em que o bebé já se dissociou da espontaneidade (porque algo não fluía adequadamente). Bebés não são seres bem comportados, são bebés(!). Uma grande diferença. Quando o(a) bebé deixa de dar sinais de ser bebé (pranto, protesto, birra, oposição, teimosia), temos um problema, geralmente acompanhado por agrado ou alívio no adulto sobre o comportamento "passivo" do(a) bebé: "nunca deu problemas". Pois claro que não... Não podia! O adulto não aguentava, a angústia de tal para o pequeno ser era insuportável e passou então a estar atento (a agradar) o cuidador, em vez de estar centrado(a) em si com confiança total num ambiente que não colapsa por infiltração de ansiedade ou outros problemas com o cuidador e seu temperamento e rotinas - aprendemos esquecer-nos de nós quando nos entregamos ao outro.

Estas coisas não são difíceis de constatar na vida adulta - quão fácil é partilhar todos os nossos problemas e angústias perante os nossos pais, e outros significativos, partilhar a herdeira vulnerabilidade, as lágrimas e a ansiedade ou mesmo a raiva? Ou, por outro lado, não queremos dar preocupações? Este segundo cenário reflete toda a problemática descrita: não confiamos na capacidade continente do adulto cuidador, é demasiado fraco(a), e resulta no problema de ficarmos com dois problemas, a nossa ansiedade, mais a ansiedade do cuidador. Estes casos geralmente apontam para dificuldades na infância precoce com os impulsos do bebé - vulnerabilidade, exigência, protesto, pranto, birras, etc.. Apontam para momentos em que a existência do(a) bebé ter sido percebida como uma ameaça (ao cuidador). Daí a espontaneidade perde-se e a psicopatologia forma-se, amiúde-se, um falso self cuidador - a preocupação em cuidador e estar ao serviço dos demais, de dar, de apoiar a família, porém juntamente com uma tendência à auto negligência (que por vezes é acentuada por algum tipo de conivência/egoísmo no adulto cuidador).

Queixas dos companheiros ou companheiros sobre exigências persistentes de disponibilidade; sentimento de se procurar mais os amigos do que eles nos procuram a nós; medo de perder amizades, inquietude quando se está só ou necessidade frequente de estar em movimento; mesmo que movimento horizontal (movimento sem grande progressão estrutural na vida); percepção do pensamento acelerado e sobre muitos assuntos ao mesmo tempo; compromisso na capacidade de descansar e desamparo. Tudo o mesmo problema.

Felizmente este tipo de problemas é a nossa especialidade. Eles não são difíceis de entender, embora a resolução dos mesmos seja um processo mais prolongado no tempo, devido às dificuldades de entrega a um nível mais profundo, onde residem as angústias e a falta de confiança no adulto que "não aguenta" ou vai criticar e destruir ou virar costas, ou outro qualquer derivativo destrutivo a um vínculo seguro, que suporta todas as tempestades, e mantém o conforto e apoio em todos os momentos.